Abaixo os trotes brutais

Foram denunciadas no início do semestre 2007.1, atitudes em alto grau de agressividade praticadas pelos alunos veteranos do curso de engenharia civil da Universidade Estadual de Feira de Santana contra os calouros. Foram citadas atitudes hostis como detrimento ao patrimônio público, práticas de constrangimento e lesões corporais e ainda desrespeito aos novos alunos e professores. A Reitoria da UEFS, o DCE (Diretório Central dos Estudantes), e o Departamento de Tecnologia e o Colegiado de Engenharia Civil, devido a tamanha falta de acatamento, repudiaram os trotes aos calouros do curso.

Os trotes violentos já existiam na universidade de Coimbra a partir do século XVIII. Alguns brasileiros que estudaram um bom tempo em Portugal, trouxeram alguns desses trotes de lá, dando origem a uma série de discórdias entre calouros e veteranos, que resultou na primeira vítima de trote violento seguido de morte no Brasil: um estudante de Direitos do estado de Pernambuco em 1831.Desde então, infelizmente, muitas outras se sucederam..

Atitudes violentas e desmoralizantes dos alunos veteranos vêm causando uma série de discussões entre as comunidades universitárias, que deixaram de admitir atitudes como essas. O fato é que os trotes brutais ainda continuam. Todas essas demonstrações animalescas de violências abrem espaços para reflexões sobre o comportamento humano e a visão que se têm sobre o que é ingressar numa instituição de ensino superior. Para onde vão os valores adquiridos antes de entrar numa universidade e que cultura e conhecimentos são adquiridos depois?

Os “mais instruídos” deveriam ajudar os “menos instruídos” ao invés de humilhá-los e agredi-los, deveriam propor atividades criativas que possibilitam relações amigáveis e pacíficas entre todos, além de espírito de grupo. Não se deve aceitar a desculpa de que os trotes continuam porque é uma tradição receber os novos alunos com zombaria, muitas vezes, violentas.

O Trote violento é na verdade uma espécie de rito de passagem, com caráter oposto aos demais ritos, porque vai de encontro aos valores humanistas por se tratar de uma ação cruel e humilhante. Não obstante, é ainda, inacreditavelmente, tolerado pelos participantes, que dificilmente denunciam as práticas por acanhamento ou por desconhecer seus direitos, e ainda para dar continuidade a esse círculo vicioso. Afinal, se passar pelo trote terá oportunidade de trotar outros calouros além de não tornar-se bixo eterno. (Como são chamados os calouros que conseguem fugir do trote).

No período medieval, quando surgiram os trotes nas primeiras universidades, os veteranos eram separados dos calouros, pois estes não podiam assistir aulas no interior das salas, apenas nos átrios ou vestíbulos, (de onde vêm os termos vestibulando e vestibular) e os calouros deveriam raspar os cabelos para prevenir doenças. Atualmente para muitos, os trotes como raspar a cabeça, considerados leves, simbolizam o orgulho, o sucesso de ter passado no vestibular, já que não precisam mais raspar a cabeça para se prevenirem contra doenças. É como se tivessem a necessidade de ter a cabeça raspada, serem humilhados, ou sujados com tinta para mostrar a todos, que é alguém, que passou no vestibular e que agora é superior aos que nunca ingressaram numa universidade.

A nossa constituição é crucial ao afirmar que “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem são invioláveis”. Ser humano nenhum deveria permitir ser exposto como bicho, porém muitos aceitam. O trote não teria mal algum se fossem realizados apenas como brincadeira pacífica para integração entre os estudantes e que pudesse contribuir para o entrosamento entre calouros, veteranos e professores. Mas a partir do momento em que alguém não aceita a brincadeira, a vontade dela deve ser respeitada. Caso contrário, se a brincadeira passar a ser de participação obrigatória ou de mau-gosto, causando humilhação ou lesões tanto físicas como psicológicas, ela vira repressão e pode ser considerada, crime. Sujeita a indenização por danos morais.

Deveriam ser mais praticados, os trotes solidários, também chamados trotes cidadãos, nos quais os calouros fazem doações de sangue, alimentos ou roupas, trabalhos comunitários, plantam árvores, ou ainda, participam de calouradas com festinhas de recepção aos novos alunos, gincanas, palestras ou sorteios de prêmios. Esses tipos de atividade mais humanística contribuem para que o respeito mútuo prevaleça e que novas amizades se concretizem. Calouros não são bichos a serem domesticados com práticas violentas, são seres humanos e como todo ser humano, merecem respeito. Abaixo os trotes brutais. Está mais do que na hora de acabar com esse sadomasoquismo universitário que espetaculariza a violência impune e põe em dúvida a integridade dos profissionais que se formarão nesse país.

Andréa Trindade da Silva, 5º semestre de jornalismo - Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana.

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